“Não, nós nunca vamos parar
Não há nada de errado com isso
Apenas agindo como animais
Não, não importa onde vamos
Porque todo mundo sabe
Nós somos apenas um casal de
animais”
Animals - Nickelback
Anne nunca pensou que um dia cometeria a loucura de ser apaixonar por um valentão. Não era do seu feitio, afinal sempre fora a garota simples e ingênua da turma. Fazia muito mais o tipo romântica com seus vários vestidos floridos e acessórios de laços, corações e todos os tipos de frufrus. Ela realmente não entendia como aquela paixão havia começado. O homem dos seus sonhos era loiro, olhos azuis brilhantes, sorriso contagiante, amante romântico, como um verdadeiro Romeu. David não era nada disso. Com olhos escuros profundos, cabelos tão negros quanto a noite e quase nunca sorria para os outros. Talvez ela também não fosse Julieta.
A estrada que percorriam não era das melhores. Enquanto David comandava a direção, Anne tentava manipular o mapa. Várias vezes entraram em ruas estranhas pela falta de habilidade dela com o objeto. Ele ria, divertindo-se com o fracasso da moça e as continuas tentativas de acertar. Essa era outra característica marcante em Anne: o desejo de sempre acertar tudo. Já frustrada com o mapa por não saber manipulá-lo, Anne jogou-o nos braços de David e cruzou os seus. Brava consigo mesma, mirou a janela. Com certeza estavam perdidos e por culpa dela. David parou o carro na rua deserta e pegou o mapa. Anne bufou, irritada por ser incapaz de desvendar algo tão simples.
- Estamos perdidos. Completamente perdidos. – ela sussurrou com a cabeça encostada no vidro. Ele apenas sorriu, concordando, enquanto levava um belo tapa no braço. – Idiota.
O calor já se tornara insuportável dentro do automóvel, apesar do ar estar ligado. David abriu a porta e colocou-se de pé ao lado da porta. Não tinha dúvidas, estavam perdidos. Perguntaria sem nenhum problema para um estranho onde estavam, isso se houvesse alguém por ali. Levantou a cabeça, sentindo o sol cegar-lhe os olhos.
- Desculpa. – sussurrou Anne, já ao seu lado.
- Daremos um jeito. – ela sorriu timidamente. Sabia
que era a culpada. David tocou-lhe o braço levemente. – Somos um casal de
animais, não somos?
Anne riu ao lembrar-se do apelido que o pai dela havia lhes dado. Um casal de animais. Ela não podia negar que realmente se pareciam com isso. Quando decidiu apresentar David a família já sabia que o pai não gostaria nada do novo genro. “Ele é um animal. Os dois são. Um casal de animais”, disse o pai logo depois que David deixara a sala para ajudá-la na cozinha. Lembrou-se de como riram, deixando cair duas xícaras de chá no chão; de como correram pela porta dos fundos ao ouvirem o grito da mãe sobre a porcelana novinha estilhaçada no chão.
Tomaram um gole da garrafa de água já quente que traziam no carro e seguiram caminho pelo desconhecido. David ligou o rádio na tentativa de animar o local, colocou suas músicas de rock e cantava alto suas preferidas. Anne ria, enquanto tentava acompanhar o ritmo com seu inglês perfeito. Ela era como uma princesa. Tinha tudo o que uma menina/mulher desejava. Por ser filha única, fora completamente mimada pelos pais. Viajara pelo mundo, aprendendo então o inglês perfeito que agora dominava. Certa vez convidara David para uma viagem, logo após o término do colegial, porém ele recusara. Hoje conhecia o motivo. David era um aventureiro, gostava de sentir o vento no rosto, apreciar a paisagem. Se era para viajar, que fosse de carro. Anne aumentou o volume do rádio, cantando alto uma de suas conhecidas. Ambos riram quando ela se empolgara e gritara alto demais a letra da música. Era uma total loucura o que faziam, mas Anne tinha certeza de que fizera uma boa escolha ao aceitar o programa de índio que David propusera. Isso até estarem no meio do nada.
Quando saiu de casa naquela manhã, logo que o sol apareceu, Anne não fazia ideia do que aconteceria. Se sua mãe soubesse do programa com certeza estaria em casa a essa hora. Seu pai deve estar louco atrás dela, ligando incansavelmente para o telefone desligado no porta-luvas. Saiu tão depressa que, ao bater a porta, ouviu o barulho das cortinas no andar de cima. Ousou um olhar rápido para a janela e viu sua mãe que, mesmo sonolenta, estava de olhos arregalados. “NÃO SE ATREVA, ANNE”, ela gritou, mas já era tarde demais. Quando a mãe chegou ao portão da casa, David já havia virado a esquina. Há alguns anos atrás Anne voltaria logo ou recusaria a saída, porém ela já não era mais a mesma.
Um casal de animais. Todos eles tinham razão, afinal. Eram dois malucos. Malucos um pelo outro. Anne colocou a cabeça para fora do carro, sentindo o vento forte bater em seu rosto. Entendia perfeitamente o jeito aventureiro de David, o prazer em se sentir livre. Ele não era de se preocupar com os outros, muito menos em pensar nas consequências de suas palavras e seus atos. Ele tinha a liberdade que Anne sempre desejou. Aquela pequena menina mimada, inocente, infantil e ingênua que seus pais haviam criado hoje já não era mais a mesma.
Já cansada da viagem, do calor e do pequeno espaço para esticar as pernas, Anne deixou sua cabeça cair no ombro de David. Fechou os olhos, tentando descansar, porém o calor e o chacoalhar do carro a impediram. Estava exausta, sem saber exatamente onde estavam e nem para onde iriam. Abriu os olhos sonolentos e olhou de canto para David que estava sorrindo.
- Até que você não é tão ruim com mapas. - ela se recompôs e mirou as montanhas de areia logo a sua frente. Sentiu o cheiro de praia invadir suas narinas. Sorriu em resposta. Queria sentir a areia entre seus dedos, a água salgada refrescá-la.
Não demorou muito e David parou o carro no meio da areia. A praia estava deserta. Ela tirou as sandálias e correu pela areia. Ele ria da menina. Ela era tão jovem, tão alegre. Jogou os tênis no carro e saiu correndo atrás dela. Pareciam loucos, ou melhor, animais. Assim que a alcançou, pegou-a no colo e seguiram para o mar. Anne sentiu a água fria no corpo todo quando David a jogou no mar. Rindo, ele a viu se levantar furiosa e antes que Anne pudesse dar o troco ele mesmo se jogou no mar. Anne tocou água na cara dele quando ele resurgiu na superfície. Eram duas crianças grandes. Essa tal liberdade Anne só passou a conhecer quando encontrou David em um dos corredores da velha escolha com o cabelo bagunçado e olhos sonolentos. Ela já tinha ouvido falar dele, o tal menino que dormia em todas as aulas e desafiava a diretoria. Jamais cogitaria a ideia de se apaixonar por um maluco como ele, mas o destino prega peças. Certo dia ele entrou na aula de química, como sempre sonolento e sentou-se ao lado dela. Ótimo, teria que ter como parceiro um dorminhoco. Depois de 1 mês, eles finalmente trocaram palavras. “Bom dia” essa foi a primeira vez que Anne ouvira David falar. Educada como era, ela respondeu. Começaram uma longa conversa. Quem diria que o menino dorminhoco e maluco seria tão interessante.
O sol já começara a se por no horizonte. Anne sentou-se na areia, ofegante, com David ao seu lado. Exaustos assistiram o por do sol. O calor já começava a diminuir, porém continuava insuportável. As roupas coladas no corpo estavam quentes novamente. David passou o braço pelos ombros de Anne, admirando a grande bola laranja desaparecer por trás do mar. Agradecia aos céus por ter conhecido tal garota. Anne era do tipo de menina que se interessava por coisas simples, dava valor as pequenas coisas, gostava do fácil. Porém, o impossível nunca constou no seu vocabulário. Era um tanto misteriosa, mas possuía o mesmo tanto de maravilhosa. Não era a mais bonita, nem a mais popular, mas era verdadeira consigo e com os outros e era isso que contava. Ela tinha valores. Ele nunca pensou em estar com uma garota dessas.
Pegaram a estrada de volta. Cansada demais, Anne dormiu a viagem toda, acordando quando chegavam novamente à cidade. Pousou a cabeça no ombro de David, preguiçosa. O calor quase não existia, a temperatura estava ideal. Olhou para os olhos profundos do homem ao seu lado. Aqueles olhos que a encantavam, apesar de não terem nada de especial. Ele olhou-a confuso pela admiração da moça, fazendo-a rir. Já estavam na frente da casa de Anne, as luzes apagadas.
- Boa noite. – Anne sussurrou. David sorriu misterioso e em pouco tempo ambos estavam no banco de trás. Anne ria da situação enquanto David tentava algo. Ele era um tipo diferente de todos os outros caras com que ela havia estado. Era particularmente atraente, de uma maneira que ela não sabia descrever. Sentiu os braços fortes dele apertarem seu corpo enquanto a respiração ofegante em seu ouvido aumentava seus arrepios. Com naturalidade, Anne puxou o rosto de David para si, que sorriu safado e beijou-lhe suavemente. Um casal de animais. No fim de tudo a viagem não seria um total fracasso.
Loucos. Nada além de loucura havia naquelas mentes. Malucos. Irracionais. Animais. Um belo casal de animais. Anne suspirou alto, deitada no banco de trás com um David cansada em cima dela. Acariciou-lhe as costas com as unhas, deixando belas marcas vermelhas na pele deliciosa dele. Sentia uma carícia na curva da cintura provando que ele não havia se entregado ao cansaço. Olhos as nuvens abraçando a lua pelo teto solar. Certamente estava frio, mas ali eles estavam extremamente quentes. Estava um silêncio gostos, a não ser pela respiração de David em seus ouvidos. Havia pouca luminosidade, da lua, do poste da esquina e uma pequena luz do lado de fora do carro que atraiu seu olhar. Uma lanterna. Seu pai. Olhos arregalados de susto e medo.
- DAVID! – Anne gritou. David olhou-a assustado. Seguiu o olhar dela. Droga!
Escrita ao som de Animals - Nickelback